CRÉDITOS DE ICMS DE TERCEIROS NA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: INOVAÇÃO NO ÂMBITO FISCAL BAIANO

Por Douglas Victore Simões

A sistemática tributária brasileira tem evoluído para incorporar aparatos mais eficazes de negociação e regularização de débitos fiscais, sendo um desses mecanismos a transação tributária.

Apesar de prevista no artigo 171 do CTN desde 1966, somente na última década tal procedimento passou a ocupar papel de destaque no contexto da gestão da dívida ativa dos diversos entes federativos.

Recentemente, o Estado da Bahia, por meio da Lei Estadual nº 14.727/2024, regulamentada pelo Decreto nº 23.622/2025, inovou ao ampliar significativamente o alcance de sua política de transação fiscal, passando a permitir a utilização de créditos de ICMS próprios ou adquiridos de terceiros como instrumento para a quitação parcial de débitos inscritos.

Neste artigo, analisamos os principais aspectos dessa novidade legislativa que, indubitavelmente, pode ser uma oportunidade estratégica para empresas com passivos fiscais relevantes.

1. TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO ÂMBITO ESTADUAL

A transação tributária é um instrumento legal de solução consensual de conflitos fiscais, permitindo ao contribuinte e ao Estado negociar condições diferenciadas de quitação de débitos, como descontos em multas e juros, parcelamento em até 120 vezes e, agora, a compensação com créditos de ICMS.

Na Bahia, essa prática aplica-se aos créditos inscritos em dívida ativa, tanto tributários quanto não tributários, quando presentes condições, como:

  1. Existência de controvérsia jurídica relevante;
  2. Classificação como crédito de difícil recuperação ou irrecuperável;
  3. Enquadramento como crédito de pequeno valor;
  4. Ou quando o devedor esteja em recuperação judicial ou situação financeira fragilizada por calamidade pública ou estado de emergência.

2. MODALIDADES DE TRANSAÇÃO E OS CONTORNOS DA PROPOSTA INDIVIDUAL

A nova legislação baiana prevê duas modalidades de transação:

  1. Transação por adesão, feita por meio de edital público lançado pela PGE/BA;
  2. Transação individual, que é negociada diretamente com o contribuinte, mediante proposta formalizada.

A grande inovação trazida pelo Decreto nº 23.622/2025 está na modalidade individual, por ser nela que se permite a utilização de créditos de ICMS próprios ou de terceiros, nos termos do artigo 8º, § 4º.

Esse ponto é particularmente relevante porque abre espaço para o aproveitamento de um mercado secundário de créditos tributários, hoje já existente, mas ainda subutilizado.

Empresas que acumulam créditos de ICMS e não conseguem utilizá-los em suas operações regulares podem transferi-los a terceiros, que por sua vez os usarão para compensar parte de seus débitos, desde que esses créditos estejam devidamente homologados pela SEFAZ/BA.

3. ASPECTOS CENTRAIS DA COMPENSAÇÃO COM CRÉDITOS DE ICMS

A compensação poderá alcançar até 75% do valor consolidado do débito tributário, já descontadas as reduções incidentes sobre multas e juros, o que pode viabilizar, com a combinação adequada de ativos fiscais e parcelamento, a liquidação de dívidas relevantes com impacto financeiro reduzido para o contribuinte.

Entretanto, para que essa compensação seja aceita, os créditos devem:

  1. Ser de ICMS acumulado ou ressarcível;
  2. Estar homologados pela SEFAZ/BA, nos termos e condições estabelecidos em ato conjunto com a PGE/BA.
  3. Ser utilizados exclusivamente para quitação do crédito tributário principal, sendo vedado seu emprego para pagamento de honorários advocatícios da dívida ativa.

4. REQUISITOS E DOCUMENTAÇÃO PARA APRESENTAR PROPOSTA COMPENSAÇÃO

Não é qualquer contribuinte que poderá apresentar uma proposta individual de transação com utilização de créditos de ICMS.

A norma delimita alguns requisitos objetivos:

  1. O débito consolidado deve ser igual ou superior a R$ 2 milhões, ou o contribuinte deve estar em processo de recuperação judicial;
  2. O contribuinte deve reconhecer integralmente o crédito tributário a ser transacionado, não sendo cabível contestação parcial;
  3. A proposta deverá conter detalhamento sobre a origem dos créditos, a estrutura financeira da empresa, as garantias eventualmente disponíveis e a exatidão dos valores a serem compensados.

Ademais, é necessário indicar com clareza os créditos de terceiros que serão utilizados, identificando-os individualmente, com documentos que atestem sua homologação e a cessão válida.

5. PROCEDIMENTOS E FORMALIZAÇÃO

O processo de transação individual inicia-se com o protocolo da proposta por meio do portal eletrônico da PGE/BA.

Após análise, a Procuradoria poderá:

  1. Aceitar a proposta tal como apresentada;
  2. Requerer diligências ou documentos complementares;
  3. Ou apresentar contraproposta, com ajustes quanto a prazos, valores ou garantias.

Caso deferida, a transação será formalizada por termo assinado pelas partes, com eficácia jurídica plena, valendo ressaltar que se o débito estiver judicializado, o contribuinte deverá desistir das ações judiciais em curso e pagar as custas e honorários sucumbenciais.

Por fim, a SEFAZ/BA deverá proceder à homologação dos créditos a serem utilizados, sendo esta condição indispensável para a validação da compensação.

6. LIMITAÇÕES E VEDAÇÕES

Como todo instituto negocial de natureza tributária, a transação não é irrestrita. Assim, a norma expressamente veda sua celebração nos seguintes casos:

  1. Débitos não inscritos em dívida ativa;
  2. Créditos que tenham sido objeto de transação anterior rescindida nos últimos 2 (dois) anos;
  3. Devedores com transação anterior rescindida nos últimos 2 (dois) anos.

7. VANTAGENS PARA O CONTRIBUINTE

A possibilidade de utilizar créditos de ICMS de terceiros na quitação de débitos inscritos em dívida ativa oferece um leque significativo de vantagens, entre as quais destaca-se:

  1. Redução de até 95% nas multas e juros, conforme o perfil do débito e o tipo de transação;
  2. Economia de caixa, com quitação por meio de créditos de ICMS ociosos, adquiridos com deságio;
  3. Aperfeiçoamento da gestão tributária, com eliminação de passivos fiscais com condições financeiramente vantajosas e recuperação da regularidade fiscal;
  4. Resolução de litígios judiciais, com encerramento de execuções fiscais;
  5. Obtenção de certidões negativas e liberação para participação em licitações ou obtenção de financiamentos.

Trata-se, portanto, de uma solução de engenharia fiscal legítima e eficaz, com potencial de contribuir para o reequilíbrio financeiro de empresas que atuam em setores impactados pela alta carga tributária e pela rigidez do sistema de cobrança.

8. CONCLUSÃO

A regulamentação baiana que permite a utilização de créditos de ICMS de terceiros na transação individual de débitos inscritos em dívida ativa marca um momento relevante de maturidade normativa e racionalidade fiscal.

O Estado da Bahia, ao adotar essa medida, alinha-se às boas práticas de gestão tributária contemporânea, que privilegiam o diálogo institucional, a resolução eficiente de conflitos e a recuperação qualificada de créditos públicos.

Para os contribuintes, o novo cenário representa uma chance concreta de reorganização patrimonial e tributária, valendo-se de ativos antes inertes e integrando-os a um plano estruturado de quitação de débitos.

Como todo instrumento poderoso, seu uso exige análise técnica precisa e assessoria jurídica especializada, mas, se bem conduzido, o instituto da transação com compensação de ICMS de terceiros poderá se tornar um divisor de águas na estratégia fiscal de muitas empresas baianas.

9. REFERÊNCIAS

BAHIA. Lei nº 14.727, de 28 de maio de 2024. Dispõe sobre a transação de créditos tributários e não tributários inscritos em dívida ativa, nas hipóteses que especifica. Disponível em: https://www.al.ba.gov.br/atividade-legislativa-nova/proposicao/PL.-25325-2024. Acesso em: 17 jun. 2025.

BAHIA. Decreto nº 23622, de 24 de abril de 2025. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=477280. Acesso em: 17 jun. 2025.