ANÁLISE DA INCIDÊNCIA DA CIDE NAS REMESSAS PARA O EXTERIOR

Por: Juliana Aleluia de Souza

O campo de incidência da CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico) tem sido palco para amplos debates doutrinários e jurisprudenciais.

Com o advento da Lei nº 10.332/2001, a tributação pela CIDE passou a ter por objeto, não somente as remessas ao exterior relativas à transferência de tecnologia, mas também os contratos de prestação de serviços técnicos, de assistência administrativa e semelhantes, a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem como pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

Ademais, após a promulgação do Decreto 4.195, de 2002, pelo Poder Executivo Federal, foi estabelecido um novo quadro normativo para a incidência da contribuição em questão.

 Isso porque, de acordo com o artigo 10 do Decreto 4.195/2002, a CIDE deverá incidir sobre todos os pagamentos de royalties ou  de remuneração destinados ao exterior, que tenham por origem: a) o fornecimento de tecnologia; b) a prestação de assistência técnica, abrangendo tanto os serviços de assistência técnica quanto os serviços técnicos especializados; c) a cessão e licença de uso de marcas; d) a cessão e licença de exploração de patentes; e) a prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa e similares.

1. A AMPLIAÇÃO DO CAMPO DE INCIDÊNCIA DA CIDE-ROYALTIES SERIA INCONSTITUCIONAL?

Toda contribuição, conforme previsão expressa do art.149, da CF/88, precisa estar vinculada a uma atuação efetiva do Estado, característica nomeada de referibilidade, pois a tributação neste caso deve estar vinculada a uma contraprestação específica do poder público.

Partindo dessa premissa, algumas questões militam em desfavor da constitucionalidade da CIDE-royalties na forma em que regulamentada pela Lei nº 10.332/2001 c/c Decreto 4.195/2002, podendo ser destacadas as seguintes:

  1. Ausência de qualquer ação interventiva por parte da União Federal que dê legitimidade à sua cobrança;
  2. Inexistência de uma conexão entre os contribuintes e a contraprestação do poder público, já que, sendo uma contribuição que tem por finalidade o fomento nacional da tecnologia, não é possível identificar o nicho econômico que suspostamente estaria sendo beneficiado com a cobrança da contribuição;
  3. Violação ao princípio da igualdade, já que somente empresas signatárias de contratos que tenham por objeto a transferência de tecnologia do exterior para o Brasil ou do Brasil ao exterior são objeto de tributação. Já as empresas que vendem ou recebem tecnologia de empresas situadas no Brasil não são submetidas à tributação;
  4. Desvio de finalidade, pois a CIDE destina-se a financiar programas de pesquisa e de tecnologia, amoldando-se a uma finalidade social, e não a uma contraprestação específica estatal, como deveria ocorrer no caso de uma contribuição.

2. COMO OS TRIBUNAIS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS VEM DECIDINDO A QUESTÃO?

A posição da jurisprudência dominante é de que a CIDE seria constitucional, inclusive com o entendimento de que a sua incidência não se limitaria às hipóteses em que há transferência de tecnologia.

No âmbito dos tribunais regionais federais, destaca-se ainda que a ausência de uma referibilidade direta não desnaturaria a legalidade da CIDE, pois estaria em consonância com os princípios gerais da economia, ao objetivar onerar as atividades que se utilizam de tecnologia estrangeira, para fomentar a tecnologia produzida dentro do país.

Em suma, o entendimento que vem sendo consolidado, em linhas gerais, é que a destinação dos recursos oriundos da CIDE para atender programas de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico, estaria em harmonia com a sistemática da Constituição Federal, ainda que inserida na Ordem Social (e não na Ordem Econômica).

Contudo, a uniformização da interpretação quanto à incidência da CIDE ainda poderá ter muitos desdobramentos, pois a questão será tratada no Tema nº 914, do STF, de repercussão geral.

Após o voto do relator da questão, Ministro Luiz Fux, o julgamento, iniciado em 29/05/2025, foi suspenso e ainda não há previsão para o seu prosseguimento.

No voto até então proferido, o Ministro relator propôs a fixação da seguinte tese:

I – É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, instituída e disciplinada pela Lei nº 10.168/2000, com as alterações empreendidas pelas Leis nºs 10.332/2001 e 11.452/2007, incidente sobre as remessas financeiras ao exterior em remuneração de contratos que envolvem exploração de tecnologia, com ou sem transferência dessa; II- Não se inserem no campo material da contribuição as remessas de valores a título diverso da remuneração pela exploração de tecnologia estrangeira, tais quais as correspondentes à remuneração de direitos autorais, incluída a exploração de softwares sem transferência de tecnologia, e de serviços que não envolvem exploração de tecnologia e não subjazem contratos inseridos no âmbito da incidência do tributo”, e, ao final, propunha a modulação temporal da eficácia da tese, para que a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto (item II) produza efeitos ex nunc, a contar da data de publicação da ata de julgamento do mérito, ressalvadas as hipóteses de: (i) ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão até o marco temporal definido; e (ii) créditos tributários pendentes de lançamento, relativos a fatos geradores prévios à data anteriormente citada (publicação da ata); Grifos acrescidos.

Ou seja, extrai-se da tese proposta pelo Ministro Relator, que a mera distribuição de softwares sem a respectiva transferência de tecnologia, poderá ser afastada do campo de incidência da CIDE.

Inclusive, esse tem sido o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em alguns precedentes recentes, em que o contribuinte autuado conseguiu fazer a prova de que o objeto do contrato apenas englobou a distribuição de software, sem qualquer transferência de tecnologia a ele vinculada.

No caso específico referido, objeto do processo de nº 5746.720055/2021-26, o código fonte para transferência da tecnologia não chegou a ser fornecido, razão pela qual o Tribunal concluiu que o contrato não atraia a incidência da CIDE.

3. CONCLUSÃO

O tema em questão ainda promoverá diversos debates nos tribunais administrativos e judiciais, principalmente após a conclusão do julgamento do Tema 914 pelo STF.

Por ora, os contribuintes devem estar atentos aos termos contratuais firmados com empresas residentes ou domiciliadas no exterior, que tenham por objeto as hipóteses previstas no art. 10 do Decreto 4.195/2002 (fornecimento de tecnologia; prestação de assistência técnica, cessão e licença de uso de marcas; cessão e licença de exploração de patentes; prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa e similares), devendo avaliar, em cada caso, se o custo decorrente da CIDE é vantajoso para a respectiva transferência do serviço e/ou tecnologia a ser contratado.

As empresas que trabalham com a contratação e distribuição de softwares fornecidos por empresas estrangeiras, em especial, precisam ter ainda maior atenção na elaboração e gestão desses contratos, a fim de promover uma efetiva e segura gestão fiscal, tendo em vista o cenário jurisprudencial que se desenha no sentido de que tais contratos não estarão abrangidos no campo de incidência da CIDE.

REFERÊNCIAS

TOMÉ, Fabiana Del Padre. O destino do produto da arrecadação como requisito constitucional para a instituição de contribuições. Disponível em: https://www.ibet.com.br/o-destino-do-produto-da-arrecadacao-como-requisito-constitucional-para-a-instituicao-de-contribuicoes-por-fabiana-del-padre-tome/  . Acesso em 10 jun.2025

VALENTE, Fernanda. Carf afasta Cide em contrato de software sem transferência de tecnologia. Disponível em: https://www.jota.info/tributos/carf-afasta-cide-em-contrato-de-software-sem-transferencia-de-tecnologia. Acesso em 20 mar.2025

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NAGURNHAK, Gilmara. A Controvérsia Constitucional da CIDE sobre Remessas ao Exterior: Uma Análise Crítica à Espera de Julgamento. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/403698/controversia-da-cide-sobre-remessas-ao-exterior-espera-de-julgamento. Acesso em 15 jun.2025.

TRF-3. APELAÇÃO CÍVEL: 50236096620224036100, Relator.: Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, Data de Julgamento: 08/04/2024, 4ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 10/04/2024.

TRF-5. APELAÇÃO CÍVEL: 0807006-27.2022.4 .05.8100, Relator.: RODRIGO ANTONIO TENORIO CORREIA DA SILVA, Data de Julgamento: 23/05/2023, 6ª TURMA.

TRF-1. AMS: 00399445820024013400, Relator.: JUIZ FEDERAL MÁRCIO LUIZ COÊLHO DE FREITAS, Data de Julgamento: 08/10/2012, 1ª TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 26/10/2012.